
Consistência, bom-humor, inteligência. Uma norte-americana tomou meu coração com sua produção sobre câncer metastático de mama1. Dying4Sex – que eu traduziria por morrendo por tesão, mas deixa pra lá – entrou no meu radar quando a série ficou em destaque no Disney+.
Dei play pouco depois que a encontrei (ando com preguiça de TV, preferindo livros). Deixei de lado logo no primeiro episódio, numa cena com o médico babaca, a Molly se deixando levar pelo marido e algum detalhe medicamentoso.
Boa Maria Vai com as Outras que sou, só voltei depois de ler a Renata Corrêa falando da série e querendo conversar. Sim, a minha roteirista favorita se interessou. Fui lá ver o porquê. Levei dois ou três dias para dar conta dos seis episódios. Mais ou menos seis horas.
Quando terminei, entendi minha hesitação em me entregar à aventura com Molly. Afinal, tenho a mesma doença, sei que me aguarda o mesmo fim. E o que mais gostei é que a série termina como a vida: nossa heroína morre. Chorei, ri, ri e chorei ao mesmo tempo. Foi passatempo e autorreflexão.
O que achei mais interessante é que Morrendo por Sexo mostra todos os lados da vida que acontece com a pessoa com câncer metastático no centro. Dos cuidadores, da família, o que pode acontecer com um casal, uma pessoa em busca de seus sonhos e desejos, apesar do câncer e dos tratamentos. Por isso pode interessar até quem não se encaixa em nenhum dos papéis.
Morrendo por sexo: série, podcast, blog, livro, Instagram…
Terminei a série e ainda não comentei nada com a Rê Correa. Mas já fiz resenha lá na Casa Lavanda, a rede social do Instituto AnaMi, que reúne pacientes de doenças graves ameaçadoras de vida, familiares e cuidadores. Como uma coisa leva à outra, mergulhei mais fundo na produção de Molly Kochan.
Neste mergulho, meus olhos brilharam com as coisas que fui descobrindo. Primeiro cacei e comecei a ouvir o podcast que deu origem à série, que também tem … seis episódios. Então encontrei o blog da pessoa – everythingleadtothis. O último primeiro texto é a sua carta de despedida. Não é um ótimo texto, é confuso, mas tem a irreverência da autora. Agora contando isso, imagino a Molly no hospice escrevendo a bordo de morfina e outras “dorgas” pesadas, que na minha imaginação são o motor da qualidade de vida quando estamos na terminalidade.
A minha sessão preferida no blog foi a dos posts “Honest Statements of the Day” – Declarações honestas do dia. Passei uma tarde inteira parafraseando, traduzindo os que se encaixam na minha vida, pensando sobre como às vezes eu percebo claramente os pensamentos das outras pessoas e poderia, sim, formular uma boa frase pra resumir a situação.
Aí explorei o “sobre”.

A mulher diz tudo o que gostaria de ter dito – e não sabia que precisava ser dito. Céus! Ok, eu vou traduzir aqui pra facilitar.
… “A maioria não sabe que eu tenho lidado com o câncer de mama desde 2011 e tenho sido metastática (estágio iv) desde 2015. (…) Era importante para mim não ser vista como “paciente” ou como câncer. Espero que estas palavras jamais me definam.
(…) Tenho certeza que a esta altura o elefante na sala é o prognóstico. Atualmente eu trato esta doença como crônica, até que ela se torne terminal. Não me importo de falar com qualquer um sobre meu caminho ou qualquer outra coisa. (…)
Pode ser muito incômodo falar sobre câncer e também é muito incômodo para a pessoa com câncer ter que eliminar o estranhamento. Dito isso, eis algumas coisas para vocês pensarem se escolherem reagir, responder a este post ou entrar em contato:
- Fique à vontade para dar like neste post, dar um coração, uma cara de raiva ou até rir. Afinal, o riso cura. Eu peço que você evite usar o carinha com a lágrima. Eu vivo uma jornada difícil, recheada de tristeza e luto. Para mim, especialmente, este emoji significa que você clicou e saiu andando. Se você quiser conversar comigo sobre a sua tristeza, será bem-vindo. Assim a gente garante interações reais que honram o peso das emoções que envolvem esta doença e as questões de mortalidade que inevitavelmente surgem.
- Se você quiser me contar sobre um familiar ou ente querido que tem ou teve câncer, tenha em mente que você me dará a oportunidade de te ajudar – e não o contrário. Eu fico totalmente satisfeita de me relacionar com você através disso, mas não me sentirei mais compreendida ou menos sozinha, certamente será o contrário: eu vou cuidar de você.
- Antes de me enviar vídeos ou links com curas para o câncer, saiba que estou fazendo diversas coisas além do tratamento convencional. Se tiver o desejo profundo de compartilhar, faça a sua pesquisa. Eu sei que a intenção é boa, mas o vídeo sobre os efeitos do limão, o poder do pensamento positivo ou denúncias sobre as propinas que os médicos recebem das farmacêuticas não merecem a nossa atenção. Eu sei que é do fundo do coração, então te agradeço antecipadamente por pensar em mim. Não precisa enviar. Converse comigo.
Verdades difíceis – as lições de Morrendo por Sexo
Estou nessa busca desde 2012. O que fazer? Mil vezes pensei: livro. Nunca sai. Um monte de remendos, acho tudo muito, muito ruim, nada vinha do coração. O que mais me atraiu na produção da Molly foi a unidade. Juntar as selfies sexies com as declarações absolutamente honestas, sempre com a mesma fonte e cor. Fazer estas declarações serem uma parte do blog. Coesão, estética, inteligência.
[modo escrita livre] Eu tô aqui me achando a mosca do cocô do cavalo do bandido. Se olho para a minha produção acho mínima. Tudo para mim é pouco. Tenho um esboço confuso de desejo aqui dentro. Os microvídeos, pequenos causos do dia-a-dia do IBCC, do ir e vir, falar do SUS… não tenho ideia de como fazer isso virar. Jesus! eu vou falhar de novo? os olhos enchem d’água. que medo. As pessoas vão me zoar, serei motivo de chacota de novo. Ai que medo [ fim da escrita livre]
Sem saber ao certo como estou tentando fazer algo semelhante. Claro que no meu caso não serão selfies sexies com verdades difíceis – até porque isso não faz o menor sentido para mim. Confiar no processo e não tentar controlar são duas provas difíceis para mim. Então se prepare, leitora e leitor, vamos experimentar e ver o que acontece.
- A primeira metastática a ganhar meu coração foi a Ana Michelle Soares. Mas isso é outra história. ↩︎
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