No início era o desconhecido. Um médico burocrata. Enfermeiros interessantes. Looongas esperas. E assim cheguei ao AC Camargo, um dos grandes centros de tratamento de câncer do Brasil. Já havia visitado o site muitas vezes, porque lá estão todos os direitos do paciente, há toneladas de informação.

Tudo muito organizado, com longas filas de espera para consultas e procedimentos… Mas tudo passa quando chega a hora do tratamento diário. Sim, todos os dias úteis, desde o dia 10 de janeiro e por 30 consecutivos, estou sempre às 19h embaixo da máquina para fazer a minha sessão de 30 segundos de radiação.

As orientações são entregues para os pacientes impressas e são claras:

Radioterapia é o uso de radiações ionizantes pra destruir ou inibir o crescimento de células doentes. O objetivo é eliminar completamente a doença (ou impedir a sua progressão). Os passos são:

Tratamento

Importante: paciente que faz radioterapia pode ter contato normalmente com outras pessoas – ele não fica radioativo.

Além disso tudo: faço compressas com chá de camomila na região (peito direito) três vezes por dia, por 15 minutos no mínimo. O chá deve estar em temperatura ambiente. A camomila (principalmente as flores) tem ação antiinflamatória, cicatrizante e e ótima para suavizar os efeitos colaterais do tratamento.

Por fim, a gente tem cremes prescritos especialmente para o nosso caso. Eu estou usando um de aloe vera, que é luz, estrela e luar.

Efeitos

No começo parece que nada está acontecendo. Com 15 dias, as queimaduras aparecem. A pele começa a incomodar (mesmo com as compressas de camomila). Eu brinco que tô fazendo concurso de “meia camiseta molhada” (e manchada, quando é clara). Passo o dia todo (exceto fora de casa) com a compressa, trocando sempre que seca.

Cansaço (chama astenia em mediquês): muuuuito. Passo o tempo todo me sentindo um pano de chão.

Noves fora, radioterapia no seio não tem maiores danos. Tô morta de vontade de dar um mergulho no mar (só porque não pode, sabemos). E parei de contar as sessões e o tempo. Quando acabar, tenho certeza que a dupla Rô e Rô (Rogério e Rosana, que cuidam de me ionizar) vão avisar! 😀

E o medo apareceu

Graças ao encontro diário, sempre na mesma hora, a gente faz turminhas nas máquinas. São quatro em operação 5×12 (5 dias por 12 horas). E a gente vai conhecendo outros causos. O moço que tem câncer na faringe e não consegue falar nem engolir… a menina que teve câncer no útero. Dois terços das mulheres estão tratando câncer de mama. O marido islamita e a mulher coberta. A moça que teve câncer de mama e está com metástase no cérebro…

E o medo, que raramente apareceu, dá as caras. Junto com a canseira, ele marca o tempo, as batidas do coração. A gente percebe que o que já é ruim pode piorar. Vê gente muito nova com câncer. Velhinhos. Gente como a gente. Gente diferente. Até um ser humano sem rosto eu já vi.

Contra o medo, haja luz. A melhor receita sempre é olhar o moço nos olhos, saber qual é a sua cor, o seu tamanho, seu sabor. E aí vai conhecendo, conversando, tratando. Não é exatamente fácil, ou simples. É possível.

foto: Gabi Butcher, CC-SA

4 respostas

  1. Uma coisa que eu venho aprendendo nos últimos tempos é que viver é o reino do possível. Veja bem, a gente deveria saber disso desde que nasce. Mas cresce com aquela ilusão de que existe controle, plano, projeto e que é só a gente pensar que as coisas vão acontecer exatamente do jeito que a gente quer.

    Mas a vida acontece por acaso. A gente controla tão pouco.

    (E eu estou aprendendo a achar isso bom. Porque essa ilusão de que a gente controla o que acontece traz consigo um monte de ansiedade né? De medo, de encanação. Se a gente aceita que controla pouco, faz o que acredita que é melhor e confia e espera. Fica mais leve.)

    Por isso o melhor a fazer é olhar pro medo, deixar ele passar, e ver que a gente permanece. Igual no livro. Você vai permanecer, e vai ficar ainda mais forte depois dessa novela toda.

    Beijo

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